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Renato de Castro

E se o nosso presidente fosse um robô com inteligência artificial?

Renato de Castro

22/10/2018 04h00

A robô Sophia está ganhando protagonismo mundial. Foto: REUTERS/Valentyn Ogirenko

Era novembro de 2016. Auditório lotado de políticos e agentes públicos em Bucareste, a vibrante capital da Romênia. Todos discutindo novas tecnologias quando o palestrante faz essa provocação: e se substituíssemos o prefeito da cidade por um algoritmo de inteligência artificial (IA)? Nem preciso dizer a polêmica que a pergunta causou no público! Alguns, como o próprio prefeito do sexto distrito de Bucareste, que foi o seguinte a subir ao palco, chegaram a tomar a provocação como uma ofensa pessoal. No final foi um exercício bem interessante. Seria possível?

É exatamente o desconhecimento sobre os benefícios e ameaças por trás do que chamamos inteligência artificial que cria esse sentimento de "fim do mundo" em algumas pessoas. Dos filmes catastróficos como Exterminador do Futuro aos humanoides exóticos como a adorável Sophia, há pelo menos uma verdade com que todos concordam: a tecnologia IA já é uma realidade e veio para ficar!

Meu momento "tiete" com a "robô-humana" Sophia durante o Fórum Global AI4Food nas Nações Unidas, em maio de 2018.

Hoje quero discutir com vocês um pouco do que tenho visto e discutido mundo afora sobre IA. Até as Nações Unidas estão interessadas no tema e monitorando os avanços da tecnologia através de um projeto chamado AI4Good (inteligência artificial para o bem).  O argumento principal deles é tentar evitar que a IA siga a mesma direção que a energia nuclear, que inicialmente era anunciada como a grande solução mundial para democratizar o acesso à energia. No final, serão vocês a decidir se podemos ou não substituir nossos políticos por IA ;).

Para começar, tanto o termo "inteligência artificial" quanto o estudo da tecnologia não são novos. O conceito foi desenvolvido pela primeira vez em 1956 pelo cientista John McCarthy . O termo proposto pelo grupo de estudo era "máquinas pensantes", mas no final optaram por IA para facilitar o entendimento. Tanto o dicionário britânico Oxford Living, quanto o nosso Aurélio, definem IA como: "A teoria e o desenvolvimento de sistemas computacionais capazes de executar tarefas que normalmente exigem inteligência humana, como percepção visual, reconhecimento de fala, tomada de decisão e tradução entre idiomas." E "Mecanismo, software ou outro artefato produzido pelo homem que exibe uma inteligência similar à humana."

Logo, teoricamente, pela própria definição, poderíamos sim substituir algumas (ou talvez muitas) tarefas humanas pela IA. E isso assusta bastante gente! Será então que essas máquinas pensantes irão acabar com os empregos no mundo, incluindo o do seu prefeito? Muitos estudiosos acreditam que não – ao contrário, para eles a tecnologia criará novas oportunidades. Segundo a consultoria Gartner, os negócios relacionados à IA atingirão o valor 1.2 trilhão de dólares (quase 5 trilhões de reais) ainda em 2018, o que significa um aumento de 70% se comparado a 2017, chegando à fantástica cifra de 3.9 trilhões de dólares em 2022.

Ainda de acordo com o relatório da Gartner, a IA gera valor de 3 formas: novos produtos ou serviços; experiência do consumidor, com os chatbots por exemplo; e redução de custos na produção e entrega de produtos e serviços. Na maioria dos cenários, segundo eles, a adoção da IA acaba gerando mais empregos. Na verdade, tivemos o mesmo efeito depois da revolução industrial. A força motriz substituiu a humana em muitas tarefas, mas o resultado final foi o crescimento econômico mundial e a geração de toda uma nova tipologia de atividades.

Parece consenso entre as grandes consultorias que a IA não somente irá influenciar o mundo dos negócios, mas sim transformar toda a economia mundial. A consultoria PWC estima que em 2030 esse mercado estará girando em 15.7 trilhões de dólares globalmente. De acordo com o estudo, a China será a maior beneficiada com um incremento de 26% no seu PIB, quase o dobro do que os Estados Unidos (14,5% do PIB).

Para as nossas cidades, de todas as áreas alavancadas pela IA, a mobilidade urbana será uma das mais privilegiadas. O sonho, que hoje parece quase utópico, dos veículos 100% autônomos, será enfim viável. A IHS Markit, uma das líderes de mercado em informação neste segmento, prevê que já em 2021 teremos mais de 50.000 veículos autônomos rodando pelo mundo. E esse número deverá aumentar para incríveis 33 milhões de unidades em 2040, o que representará 26% da frota mundial.

E para aqueles que pensam que isso é coisa do futuro, empresas como a Nvidia e a Alphabet (Google) já tem algoritmos de IA rodando em veículos 100% autônomos. A Wayno, outra empresa pertencente a Google, já acumula mais de 12 milhões de quilômetros rodados em testes de carros autônomos desde 2015. A Uber também está nessa corrida, com quase 5 milhões de quilômetros e um acidente mortal no currículo. Além deles, até a Tesla e outras montadoras completam esse cenário disruptivo de AI aplicada à mobilidade. Muita polêmica aqui também…

O simpático carro autônomo da Google chamado "Firefly" rodou na Califórnia de 2014 até ano passado, quando foi substituído pela frota de minivans Pacifica, da montadora Chrysler. Foto: Waymo

O avanço da AI em outros setores já é bastante notável. Na área financeira, por exemplo, as transações nas bolsas de valores já acontecem quase 100% via inteligência artificial. A imagem de um corretor de Wall Street sentado na frente de 3 monitores e com dois telefones na mão gritando "Compra! Vende! "já é coisa do passado. As operações são analisadas e processadas automaticamente por algoritmo. O corretor está ali basicamente para ligar e desligar o computador. Neste caso, a AI não é somente utilizada para executar mais rapidamente análises e cálculos, mas principalmente para fazer previsões. Essa habilidade de "prever o futuro" é chamada pelos especialistas de predição.

E a AI assusta mesmo! Na Coreia do Sul e nos Estados Unidos, empresas estão desenvolvendo algoritmos que combinam a análise em tempo real de imagens de câmeras de ruas, cruzando informações com dados estatísticos históricos e atividades em redes sociais para prever, ou melhor, predizer, quando um crime vai acontecer. Bem ao estilo de Minority Report lá de 2002, lembra?  E olha que no filme, que mostrava o mundo em 2054, a solução de predição vinha de 3 videntes e não de uma máquina!

E aí? O que você acha da ideia de substituir nossos políticos por máquinas que pensam? É importante lembrar que emoções e sentimentos não podem ainda, e provavelmente nunca poderão, serem criados ou intuídos por um algoritmo. Neste caso então, o importante é entender o quanto uma função hoje realizada por humanos depende da simplesmente da lógica. O que podemos afirmar com certeza é que os veículos oficiais que transportam nossos representantes, em um futuro bem próximo, já não terão mais motoristas. Então, se você está pensando em fazer concurso público para motorista da prefeitura da sua cidade, melhor repensar seus planos. Nos vemos na próxima semana e já com um presidente, ainda humano, eleito.

Sobre o autor

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho de administração da ONG Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union, agência de Telecomunicações das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global em países da Ásia, Américas e Europa. Fluente em 4 idiomas, é doutorando em direito internacional pela UAB - Universidade Autônoma de Barcelona. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

Sobre o blog

Mobilidade compartilhada, Inteligência artificial, sensores humanos, internet das coisas, bluetooth mesh etc. Mas como essa tranqueira toda pode melhorar a vida da gente nas cidades? Em nosso blog vamos discutir sobre as últimas tendências mundiais em soluções urbanas que estão fazendo nossas cidades mais inteligentes.