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Renato de Castro

Conheça a maior e mais cara moldura do mundo. Desperdício ou investimento?

Renato de Castro

01/10/2019 04h00

O Dubai Frame é um marco arquitetônico localizado no parque Zabeel em Dubai. Foto: The Dubai Frame

O exercício da cidadania e da participação popular nas decisões públicas está cada vez mais presente nos governos mundo afora. O modelo de gestão participativa brasileiro já é inclusive referência mundial, tendo sido replicado em Portugal e até nos Estados Unidos. Mas isso não acontece em todos países!

Durante minha última viagem pelos Emirados Árabes Unidos (EAU), eu tive a oportunidade de visitar diversos projetos que, apesar de serem bastante interessantes, nos levam a pensar sobre a qualidade e legitimidade dos investimentos do setor público.

Antes de prosseguir, é importante esclarecer que os EAU são regidos por um emir: um sheik de uma família nobre que tem a atribuição de governar, ou seja, não é um governo democrático. Também é importante entender que ali na região o público e o privado se misturam muitas vezes. A grande maioria dos "bens" públicos na verdade pertencem à família do governante, e não ao país ou a uma cidade específica. Mas isso está longe de ser um ponto negativo, pelo menos na percepção deles.

Entre as diversas maravilhas arquitetônicas do mundo moderno e recordes que Dubai coleciona, fui visitar o último monumento inaugurado: o The Frame Dubai.

Inaugurado em janeiro de 2018, sua estrutura em forma retangular imita uma moldura fotográfica e é considerada a maior moldura do mundo. São duas torres de 150 metros de altura conectadas nas duas extremidades e recobertas por um revestimento metálico que imita a cor do ouro. Impressionante mesmo!

O monumento foi criado para ilustrar a transição entre a Dubai antiga – uma tradicional vila de pescadores de pérolas e mercadores – e a Dubai do futuro. Como havia mencionado no texto anterior, Dubai é a cidade com o maior número de gruas de construção civil em atividade do planeta e há meio século representa uma das áreas de maior crescimento no mundo.

A visita começa pela parte inferior da atração, onde encontramos um museu que conta a história da cidade, do ciclo das pérolas ao apogeu do petróleo. Na sequência, um elevador superveloz nos leva até a ponte superior que liga as duas torres. Ali, sob o olhar atento da tríade de sheiks (presentes em todos os prédios públicos ou privados da nação), diversas tecnologias interativas são apresentadas. Nada de superdisruptivo, mas bem interessante. Gostei muito do chão de painéis de vidro que fica transparente conforme caminhamos por ele e da parede de LED que dá para escrever com o dedo (confira tudo no vídeo abaixo).

A visita termina na parte inferior da torre 2, onde eles apresentam a visão de Dubai para o futuro em um vídeo 180º superbem elaborado que chega até a dar um friozinho na barriga. No final, fica a pergunta: valeu a pena investir R$ 260 milhões para fazer uma "moldura"? Mesmo em um país onde não falta nada para a população, ou pelo menos para os nativos emiradenses, isso não seria um desperdício de recursos?

Segundo o governo de Dubai, o investimento se justifica: o empreendimento não só se pagará a longo prazo com a visitação turística, como também ajudará a reforçar o legado do desenvolvimento da cidade. Assistam ao vídeo que eu fiz do The Frame e entendam a dimensão desse projeto, só assim vocês poderão tirar usas próprias conclusões.

Agora, me vem logo em mente: Em uma democracia plena como a do Brasil seria muito difícil aprovar projetos assim, certo? Será? Quantas obras faraônicas e com muito menos sustentabilidade econômica já não fizemos? Quantos estádios de futebol com projetos bilionários foram aprovados para a Copa de 2014 e viraram elefantes brancos?

O caso do Mané Garricha de Brasília, por exemplo, segundo dados oficiais, que foram questionados pelo Tribunal de Contas, custou nada menos que R$ 2 bilhões. Isso é quase OITO vezes o custo do The Frame. Pontes que não ligam nada e aeroportos regionais sem voos também fazem parte desta longa lista. Bem, vocês conhecem a estória dos super-mega-ultra investimentos públicos tupiniquins melhor que eu.

Estamos às vésperas de um mais ano eleitoral. Precisamos analisar com muita coerência as propostas de nossos candidatos para tentarmos sair deste transe coletivo que nos domina a cada quatro anos. Seguramente não necessitamos de um Frame por aí, mas o discurso por trás das propostas precisa ser consistente; precisa fazer sentido a curto, médio e, principalmente, longo prazo. 

Que iniciem então as campanhas, porque estou ansioso para acompanhar e discutir com todos vocês as fantásticas (ou fantasiosas) ideias de nossos candidatos. Fiquem à vontade para enviar aqui no blog todas as propostas que vocês, eleitores ou candidatos, acharem que vale a pena discutir mais a fundo. Um grande abraço e até a próxima semana.

Sobre o autor

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho de administração da ONG Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union, agência de Telecomunicações das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global em países da Ásia, Américas e Europa. Fluente em 4 idiomas, é doutorando em direito internacional pela UAB - Universidade Autônoma de Barcelona. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

Sobre o blog

Mobilidade compartilhada, Inteligência artificial, sensores humanos, internet das coisas, bluetooth mesh etc. Mas como essa tranqueira toda pode melhorar a vida da gente nas cidades? Em nosso blog vamos discutir sobre as últimas tendências mundiais em soluções urbanas que estão fazendo nossas cidades mais inteligentes.