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Renato de Castro

Conheça o país que criou até ministério para ser o mais feliz do mundo

Renato de Castro

24/09/2018 04h00

Imagem: Pixabay

Você é feliz? Quem nunca ouviu essa pergunta antes. Muitos dizem que a felicidade é um estado de espirito pontual, ou seja, você está feliz (ou não) em um determinado momento. Precisamos então de uma definição formal para que todos possam responder à pergunta seguindo os mesmos critérios. Vamos a ela.

Segundo nosso famoso amigo Aurélio, felicidade é: "concurso de circunstâncias que causam ventura; sorte; ventura. O psiquiatra Freud, que tratou da felicidade sob a ótica das relações humanas, afirmou que apesar de todas as pessoas serem movidas pela sua busca, a felicidade plena é um conceito utópico. Será então que é impossível ser 100% feliz?

Da filosofia de Aristóteles à religião budista, todos tentam decifrar e conceituar o que é felicidade. A verdade é que a sua definição e percepção pode variar conforme a cultura, religião, gênero, região geográfica e contexto social. Imagine então se fosse o seu país ou a sua cidade te perguntando se você é feliz, qual seria a sua resposta?

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) decidiram ir a fundo na questão da felicidade da sua população. O rico país do Oriente Médio, formado por 7 emirados, tem uma situação bem particular. Dos seus quase 9,5 milhões de residentes, mais de 8 milhões (cerca de 90%) são expatriados. Ou seja, pessoas que não nasceram ali e por consequência não têm a cidadania local.

Para você ter uma ideia, somente o número de indianos no país em 2014 era de 2,6 milhões, mais que o dobro do número de emiradenses, que eram pouco mais de 1 milhão de pessoas. A segunda maior etnia no país é a de paquistaneses (1,2 milhão), rivais históricos dos indianos. Bengaleses, filipinos, iranianos, egípcios, nepaleses, sírios e chineses estão na lista das 17 comunidades com mais de 100 mil habitantes no país. Imaginem o caldeirão de emoções que é essa sociedade.

E não há quase nenhuma mobilidade social. A grande maioria são trabalhadores de "baixa renda" que foram recrutados em seus países e levados aos EAU para executar tarefas menos complexas. Uma vez vivendo ali, um expatriado só pode se candidatar para a cidadania dos EAU depois de residir no país por 20 anos, desde que nunca tenha sido condenado por um crime e possa falar fluentemente árabe. Fácil, não parece?

Acreditem, é um desafio bem maior "ser feliz" fora do seu país, cultura e língua. E eu falo isso de cadeira. Preocupados com a felicidade dos seus cidadãos, o governo dos EAU decidiu criar em 2016 o Ministério da Felicidade e Bem-estar. Não estamos falando daquela felicidade subjetiva da psicologia, filosofia ou religião. A felicidade aqui tem parâmetros de medição bem concretos e agentes públicos super treinados não somente para medir, mas principalmente para promover a tal felicidade.

Para aprender e desenvolver as habilidades necessárias para realizar os objetivos do Programa Nacional de Felicidade e Bem-estar, os agentes públicos são enviados para formação na Universidade da Califórnia, nos EUA, além da Universidade de Oxford, na Inglaterra. A formação consiste em cinco pilares: a ciência da felicidade e da positividade, a atenção plena, coordenando uma equipe feliz, felicidade e políticas no trabalho do governo e medindo a felicidade.

O projeto foi pensado nos mínimos detalhes: um portal na web e até um manual oficial da felicidade foram criados para orientar os cidadãos nos EAU. Outro ponto interessante foi a escolha do ministro da pasta. Entendendo que necessitava promover também a igualdade de gênero dentro de seu governo, o presidente Sheik Khalifa bin Zayed optou por ter uma mulher no cargo: a jovem ministra Al Roumi.

Al Roumi, Ministra de Estado da Felicidade dos Emirados Árabes Unidos, disse que escolhe ser feliz todos os dias. Foto: Ryan Carter / Crown Prince Court – Abu Dhabi

Seguindo a política nacional, Dubai foi o primeiro dos Emirados a colocar nas ruas o programa da felicidade como parte do seu projeto Smart Dubai e do plano Dubai 2021. O plano aborda o ambiente urbano, incluindo ativos naturais e construídos, e analisa a experiência de vida das pessoas de Dubai e seus visitantes, como resultado de sua interação com esse ambiente e os serviços econômicos e sociais prestados. Além disso, o plano também se concentra na economia, que é o motor de desenvolvimento da cidade e seu "combustível" para o futuro.

Dubai quer ser considerada até 2021 a cidade mais feliz do mundo – um grande desafio para uma cidade com aproximadamente três milhões de habitantes de mais de 200 nacionalidades.

A felicidade tem ganhado bastante atenção na última década e está se tornando um tema relevante no mundo inteiro. As Nações Unidas publicam anualmente um relatório chamado World Happiness Report (Relatório Mundial da Felicidade). O estudo leva em consideração índices como a renda per capita, suporte social oferecido pelo governo, expectativa de vida, liberdade para fazer escolhas pessoais, generosidade e a percepção de corrupção, entre outros.

Em 2018, foram 156 países listados, fazendo uma análise dos resultados coletados entre 2015 e 2017. Em 1º lugar está a Finlândia, com 7632 pontos, seguida de perto pelos vizinhos nórdicos Noruega, Dinamarca e Islândia. Os EAU já aparecem 20º, com 6.774 pontos. Nosso querido Brasil em 28º lugar, com 6419, perdendo na América Latina para Costa Rica (13º), México (24º), Chile (25º) e Panamá (27º). Abaixo os 52 países mais bem colocados no ranking:

Fonte: World Happiness Report

Parece que estamos entrando na era em que os governos preocupam mais com a felicidade da população. Esperamos que esses indicadores sociais não fiquem somente nas estatísticas oficiais, mas que se reflitam em uma melhor qualidade de vida nas nossas cidades. Isso sim seria tornar nossas cidades mais inteligentes. Qual será a primeira cidade brasileira a criar sua Secretaria Municipal da Felicidade? Em minha última viagem eu já ouvi alguns rumores neste sentido por aí.

Nos vemos na próxima semana!

Sobre o autor

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho de administração da ONG Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union, agência de Telecomunicações das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global em países da Ásia, Américas e Europa. Fluente em 4 idiomas, é doutorando em direito internacional pela UAB - Universidade Autônoma de Barcelona. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

Sobre o blog

Mobilidade compartilhada, Inteligência artificial, sensores humanos, internet das coisas, bluetooth mesh etc. Mas como essa tranqueira toda pode melhorar a vida da gente nas cidades? Em nosso blog vamos discutir sobre as últimas tendências mundiais em soluções urbanas que estão fazendo nossas cidades mais inteligentes.