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Renato de Castro

AI4Good: o esforço mundial para manter novas tecnologias no caminho certo

Renato de Castro

07/01/2019 04h00

 

Projeto Peak Vision, usando tecnologia para melhorar a visão em comunidades carentes. Foto: Joan Bardeletti

O ano de 2018 foi incrível em todos os sentidos. Tivemos inúmeros avanços tecnológicos. Inteligência artificial, computação quântica, blockchain, data lakes, robótica… difícil até listar todos. Também foi o ano em que iniciamos a jornada juntos no UOL Tecnologia – de abril a dezembro, em um total de 30 textos, discutimos bastante o impacto das novas tecnologias no dia a dia das nossas cidades e como elas estão moldando a sociedade do futuro.

Entre todos os comentários e interações que tivemos, uma preocupação foi recorrente: como impedir o uso da tecnologia para o mal? A cada dia vemos novas tecnologias emergirem de forma similar à maneira como, na década de 1930, a energia nuclear era anunciada como uma solução para resolver o problema mundial de geração de energia. Como evitar esse mesmo fim trágico? Como garantir que a simpática Alexa, a inteligência artificial da Amazon, não se transforme na tirana e impiedosa Skynet do futuro?

Muitos cientistas renomados, como o físico inglês Stephen Hawking, são céticos em relação ao avanço de tecnologias como a AI. Em uma entrevista para a BBC, em dezembro de 2014, ele foi enfático ao dizer: "O desenvolvimento da inteligência artificial completa poderia significar o fim da raça humana… ela se tornaria autônoma e se redesenharia a um ritmo cada vez maior. Humanos, que são limitados pela evolução biológica lenta, não poderiam competir e seriam superados."

Por outro lado, já estamos vivenciando todas as maravilhas que as novas tecnologias podem proporcionar. Da erradicação de doenças à democratização do acesso à informação, o mundo está definitivamente melhor graças ao notável desenvolvimento que atingimos na esfera científica. Assim, a "pergunta de 1 milhão de dólares" é: como controlar e democratizar a tecnologia sem comprometer o ritmo do desenvolvimento tecnológico? Algumas iniciativas mundiais já começam a se destacar nesse sentido. É o caso do programa AI4good (inteligência artificial para o bem) das Nações Unidas, de que tenho o grande privilégio de fazer parte.

O programa nasceu em 2016 em uma parceria entre a ITU, Agência de Telecomunicações da ONU, e a Fundação Americana Xprize. A ideia principal é discutir tópicos de pesquisa em inteligência artificial que contribuam para solução de problemas globais, em particular através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Já havíamos discutido um pouco sobre os ODS em outro texto, no qual introduzimos o conceito de EaaS – empoderamento como um serviço. Vocês podem encontrar todos os 17 ODS na imagem abaixo:

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Imagem: EBC – Agência Brasil

AI4good divide-se em 4 grupos de estudo: (1) IA aplicada às imagens de satélite; (2) IA aplicada à saúde; (3) IA aplicada a cidades e comunidades e (4) Ética e confiabilidade na IA. Cada grupo de estudo tem como objetivo não somente identificar projetos relativos aos tópicos mais relevantes de sua área principal, mas também propor novas aplicações da tecnologia para minimizar problemas globais. Vamos então discutir o que está acontecendo em cada uma destas 4 áreas:

(1) Monitorando a inteligência artificial nas imagens de satélites:

A AI já é capaz de prever o processo de desflorestamento usando imagens de satélites em tempo real. Imagem: European Space – ESA

Você sabia que, desde 2017, é possível fazer imagens de toda a superfície da Terra, 356 dias por ano? O monitoramento global por satélite pode ser usado para responsabilizar os governos e outras partes por suas ações – por exemplo, mapeando os incêndios na Amazônia ou as emissões de dióxido de carbono, para checar a conformidade de cada país com o Acordo Climático de Paris. Estamos passando da análise histórica para a informação em tempo real. As imagens de satélite podem ajudar a humanidade a se tornar ainda melhor em descobrir e explorar os recursos naturais da Terra, incluindo reservas de peixes nos oceanos e grandes rios, por exemplo. O lado preocupante nesta área é que atualmente não existe, literalmente, nenhum lugar no nosso planeta onde seja possível se esconder dos nossos satélites! E quem detém a tecnologia poderia usá-la para outros fins.

(2) Monitorando a inteligência artificial na saúde:

Os direitos humanos e a ética devem estar no centro da discussão sobre o uso da IA na área da saúde. Imagem: Shutterstock

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 120 países possuem estratégias de saúde digital. A IA e as tecnologias digitais fornecem novas ferramentas para o avanço da saúde, melhorando a mobilidade de pacientes paraplégicos, tornando o diagnóstico mais eficiente e desenvolvendo novos medicamentos. Contudo, como toda nova tecnologia, há riscos de abusos. Por isto, não devemos perder de vista os direitos humanos e a grande ênfase que deve ser dada à proteção de dados, à privacidade e à confidencialidade dos pacientes. Outro ponto importante, se analisamos o assunto em uma escala global, é o de que as novas tecnologias e tratamentos precisam ser adaptados a diferentes culturas. As decisões médicas nem sempre correspondem a vereditos meramente científicos.

(3) Monitorando a Inteligência Artificial nas cidades e comunidades:

A "saudita" Sofia é a primeira cidadã-robô do mundo. Foto: Isabel Wanne

Um dos pontos centrais na discussão da aplicação da IA na esfera urbana é ter em mente o DNA das cidades (e assim respeitá-las). A sua história, a cultura e outras particularidades das cidades são tópicos fundamentais quando pensamos em projetos de TIC. Outro ponto importante é aprender não somente com os casos de sucesso, mas também com os fracassos. Aprender com as experiências de outras cidades, boas ou ruins, é uma maneira útil de evitar repetir os mesmos erros e poupar muito tempo ao desenvolver soluções de cidades inteligentes. Além disso, para evitar o mau uso da tecnologia, as decisões devem ser sempre de forma colegiada, envolvendo todas as partes-chave da cidade: governo, setor privado, academia, ONGs e a sociedade. Por último, há uma enorme necessidade de dados nas cidades. Eles são essenciais para a criação de soluções para cidades inteligentes e seu funcionamento. Contudo, para obter acesso a mais dados, é importante garantir proteção e direitos aos cidadãos em relação ao que é feito com suas informações, para que assim exista mais troca e compartilhamento das mesmas.

(4) Ética e confiabilidade na IA.

 A confiança na IA é crucial à medida que a tecnologia avança em um ritmo rápido, portanto, é vital construí-la no nível básico, incorporando as opiniões e preocupações dos usuários. As soluções da AI devem ganhar a confiança do usuário, e essa confiança está intimamente relacionada à ética ​​e à segurança e privacidade dos dados. Mais do que isso: confiança em IA requer confiança em dados, qualidade de informação, dados imparciais. Inclusive, sabe-se que culturas distintas apresentam diferentes percepções da IA – as culturas asiáticas, por exemplo, têm se mostrado muito mais entusiasmadas com o assunto, como já vimos em outro texto. As soluções globais de IA exigem confiança e confiabilidade dos sistemas de inteligência artificial através das fronteiras de nações e culturas. Construir confiança entre culturas requer uma compreensão intercultural da IA, dos valores e das diferenças culturais, e isto inclui diferentes percepções, terminologias e interpretações.

Assim, o potencial das novas tecnologias ​​para fazer o bem é enorme, desde que as implicações morais e éticas sejam amplamente discutidas e debatidas com a sociedade. Acredito que ainda não é o momento de impor limites ao desenvolvimento das novas tecnologias como IA, mas precisamos monitorá-las bem de perto para não perdermos o controle. E você, o que acha disso tudo? Deixe abaixo seus comentários e compartilhe conosco sua opinião. Grande abraço e nos vemos na próxima semana.

Sobre o autor

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho de administração da ONG Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union, agência de Telecomunicações das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global em países da Ásia, Américas e Europa. Fluente em 4 idiomas, é doutorando em direito internacional pela UAB - Universidade Autônoma de Barcelona. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

Sobre o blog

Mobilidade compartilhada, Inteligência artificial, sensores humanos, internet das coisas, bluetooth mesh etc. Mas como essa tranqueira toda pode melhorar a vida da gente nas cidades? Em nosso blog vamos discutir sobre as últimas tendências mundiais em soluções urbanas que estão fazendo nossas cidades mais inteligentes.