Bloqueio do Uber nos EUA não pode travar apps de mobilidade urbana
Semana passada, aqui no blog, discutimos alguns projetos que estão mudando a realidade das cidades ao redor do mundo na área da segurança. Sem dúvida, segurança pública é um tema bem sensível para a percepção da qualidade de vida nas cidades, principalmente no Brasil. Outro segmento de fundamental importância na dinâmica de uma cidade e que se reflete diretamente nas nossas vidas é a mobilidade urbana.
Vivemos em cidades que foram urbanizadas no século XX tendo o automóvel como principal meio de transporte, e que estão literalmente entrando em colapso. Os reflexos deste problema vão muito além dos congestionamentos e da poluição causada pelos carros. De acordo com o ultimo relatório da consultoria INRIX de janeiro de 2018, os Estados Unidos gastaram ano passado 305 bilhões de dólares com os congestionamentos urbanos, 10 bilhões a mais do que em 2016.
Tendo analisado mais de cinco terabytes de dados de 1.360 cidades em 38 países, o estudo da INRIX serve como base empírica de quanto o tráfego custa às nossas cidades, impactando diretamente a economia local. No ranking global, ocupamos a quarta posição com São Paulo, perdendo somente para Los Angeles, Moscou e Nova Iorque. O Rio de Janeiro aparece em 24° lugar na lista. Ambas as cidades brasileiras pioraram seus números de horas gastas pelos cidadãos no trânsito em comparação com os indicadores de 2016.
Outra consequência importante da quantidade excessiva de veículos em nossas cidades é o problema com o estacionamento urbano. Em algumas cidades, é quase impossível encontrar uma vaga de estacionamento (gratuita ou paga) em horário comercial. E o pior, essa limitação de espaço também influencia diretamente o problema anterior dos congestionamentos. De acordo com o professor da Universidade da Califórnia Donaldo Shoup, estudos de onze cidades em quatro continentes, realizados entre 1927 e 2001, mostraram que a busca por estacionamentos gera cerca de 30% do tráfego nas áreas centrais das grandes cidades. Mais de 15 anos depois do estudo, os números continuam os mesmos.
Da combinação entre o caos da mobilidade urbana e o crescimento da chamada economia compartilhada nasceram varias soluções. Algumas delas com extremo sucesso, como é o caso do Uber, que em uma primeira análise parece uma solução perfeita: colocar em contato pessoas que tenham interesse em "compartilhar caronas". O problema é que na maioria das vezes em que desenvolvemos uma ideia para resolver um problema específico, não levamos em consideração a complexa matriz que compõe nossas cidades. Assim, como na teoria do cobertor curto, quando se cobrem as orelhas, descobrem-se os pés e vice-versa.
A mais recente decisão pública do tipo cidade versus Uber aconteceu semana passada, em Nova Iorque, uma das top 5 cidades na lista global de cidades inteligentes. A Câmara Municipal de lá aprovou uma regulamentação para empresas de mobilidade como Uber e Lyft, limitando o número de veículos nas ruas por um ano e exigindo que os motoristas recebam um salário mínimo. Isso significa que Nova Iorque foi a primeira cidade americana a limitar o número de carros de aplicativo. O receio agora é que isso crie um efeito cascata em todo o país e vire exemplo para o mundo.
O mesmo já acontece no Brasil também. Neste ano, o Congresso aprovou o Projeto de Lei 5587/16, que regulamenta a atuação de empresas de aplicativos no país. O projeto foi sancionado pelo presidente Michel Temer em março de 2018. Ele indica que caberá aos municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar esses serviços. Os temas trabalhistas e os aspectos legais do serviço também foram inclusos no texto.
O grande desafio que temos neste caso, e que servirá de exemplo para outros segmentos, é tentar encontrar um equilíbrio entre as soluções novas e disruptivas e os setores tradicionais da economia. Ou seja, não devemos simplesmente tentar enquadrar serviços da nova economia como Uber e Cabify como táxis, que datam do século XVII, quando o serviço iniciou em Paris e Londres, ainda com carruagens.
Novas polêmicas já estão surgindo com o avanço das tecnologias. Em Portugal, por exemplo, a startup chamada Mov.E está propondo o conceito de aluguel de pontos de recarga para veículos elétricos. A ideia segue o mesmo conceito de "sharing" do AirBnB (a maior plataforma mundial de compartilhamento de acomodação), mas ao invés de alugar um quarto, você aluga sua tomada, vendendo energia. Já consegue imaginar quantos segmentos de peso estão envolvidos e a polêmica que isso vai causar?
Em Barcelona, também há outro aplicativo bem interessante no setor de mobilidade que usei muito quando cheguei na cidade e ainda não tinha carro. Chama-se DRIVY. Uma plataforma francesa fundada em 2010 e que está em rápida expansão. A empresa de carros compartilhados atende 1,5 milhão de usuários e conta com cerca de 50.000 carros disponíveis para locação na França, Alemanha, Áustria, Espanha, Bélgica e acabaram de chegar neste ano à Inglaterra.
O conceito é simples: você registra seu carro na plataforma e informa a disponibilidade de dias e horários que ele está livre para locação. O usuário escolhe o carro e você recebe um aviso no app dizendo que há um interessado. A decisão de alugar ou não para aquela pessoa é sempre sua, como no AirBnB. E tem mais, se você não tem tempo de seguir cada aluguel, indo até o veículo para entregar as chaves pessoalmente, existe a opção de um kit de abertura das portas via aplicativo. E se baterem com seu carro? Não se preocupe, a empresa tem um acordo com a seguradora Allianz para cobertura total do veículo. E funciona muito bem, pelo menos pelo lado de quem aluga. Eu mesmo tive a experiência de dar uma "encostadinha" com o carro que tinha alugado e tudo ok! Não precisei pagar nada a mais J.
Os novos tempos em que vivemos requerem cada vez mais soluções disruptivas. Estas, por sua vez, precisam ser harmonizadas em nossas cidades, não somente do ponto de vista financeiro, mas principalmente nas questões econômicas e legais. O grande desafio é fazer com que as cidades acompanhem a velocidade da evolução das novas tecnologias com o mínimo de impacto negativo possível. Na verdade, não somos nós que estamos fazendo cidades mais inteligentes – é a sociedade que está evoluindo de forma "mais inteligente". Nos vemos na próxima semana!
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