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Renato de Castro

Feliz 2029! Você está pronto para zerar tudo, de novo, e recomeçar?

Renato de Castro

31/12/2018 04h00

Imagem: vectorstock

Antes de tudo, desejo feliz ano novo (2019) de coração. Foi um prazer ter iniciado essa viagem com vocês em 2018 e espero que 2019 seja um ano de profundas e positivas mudanças em nosso país e que isso, claro, se reflita em uma melhor qualidade de vida para todos.

Quanto ao título, é isso mesmo: vamos falar sobre 2029, até porque 2019 já está aqui e não temos mais tempo para nos prepararmos, certo? Em meu último texto discutimos as 4 ondas da inteligência artificial e recebemos muitos comentários sobre os impactos das novas tecnologias em nossas vidas em um futuro próximo. E principalmente, muitas perguntas sobre como podemos nos preparar melhor para isto.

Semana passada o bom velhinho passou por aqui (na Itália) e deixou uma bela surpresa para mim debaixo da árvore: o mais novo livro do historiador israelense Yuval Noah Harari, de quem sou fã, chamado 21 Lessons For the 21st Century. O livro saiu do forno em agosto deste ano (18), e se você ainda não conhece esse autor… ai, ai, ai –  ele é o criador de dois bestsellers globalmente conhecidos: Sapiens, de 2014, com mais de 1.8 milhões de cópias vendidas apenas no Reino Unido e recomendado por Barack Obama, Bill Gates e Mark Zuckerberg, e Homo Deus, de 2016, outro campeão de vendas. Para você ter uma ideia, ambos os livros ainda estão na lista de mais vendidos mundialmente.

Antes de ter o livro, já tinha lido algumas resenhas online sobre ele. E agora estou me deliciando com a sua cópia física. Aliás, fazia um bom tempo que não sentia esse cheirinho de papel… mas esse texto não é, ainda, uma crítica sobre livro. Na verdade, vamos abordar somente uma das 21 dimensões exploradas pelo Prof. Harari: a educação. O livro veio reforçar minhas teorias sobre a evolução da educação e o seu papel fundamental na preparação de nossas crianças para o futuro. Uma inquietude pessoal, não somente como pesquisador, mas principalmente como pai.

Lembro bem de uma calorosa discussão que tive com minha esposa em 2016, ao chegar de uma viagem que fiz a Dubai e visitei um projeto local da Apple para educação infantil. As crianças no maternal já editando vídeos e usando realidade aumentada. Lindo! Naquele ano também entrava em vigor na Finlândia uma nova e polêmica diretriz nacional de educação: a Finlândia tornou-se um dos primeiros países no mundo a abolir a escrita manual cursiva do currículo escolar obrigatório.

Isso mesmo, as crianças naquele país não aprendem mais escrever as famosas "letrinhas de mão juntas". Na verdade, a ideia é focar não somente na letra de forma, mas principalmente nas habilidades de digitação. Mil argumentos a favor e outros dois mil contra, o tema gera polêmica até hoje aqui em casa. Nem preciso dizer que sou 100% a favor do novo modelo finlandês, certo? Inclusive, por mim, nossos filhos seriam alfabetizados digitando em tablets finlandeses em vez de escrevendo com giz em um quadro negro de uma escola tradicional italiana.

a Finlândia tornou-se um dos primeiros países no mundo a abolir a escrita manual cursiva do currículo escolar obrigatório.

Assim, a pergunta é: estamos realmente preparando nossos filhos da geração Alpha (nascidos a partir de 2010) para o mercado de trabalho de 2029? Que tipo de educação ajudaria essas crianças a prosperar até o próximo século? Segundo o professor Harari, para que as crianças do século XXI floresçam e se tornem adultos capazes, precisamos repensar radicalmente nosso sistema de ensino. Em outras palavras: as escolas que nos trouxeram até aqui não nos levarão até lá. Bingo!

Mas isso é relativamente fácil, você questiona. Bastaria aprender programação avançada e chinês mandarim e nossos filhos teriam um futuro garantido, certo? Ledo engano. Ao pensar em 2029, temos de retornar às ondas da inteligência artificial e nos perguntarmos quais competências humanas ela substituirá. Nem precisa ir muito longe para imaginar que logo, logo uma IA será capaz de programar um algoritmo complexo bem mais rápido e eficientemente do que um ser humano. Também não é difícil prever que ferramentas como "Google Translator" atingirão um estágio avançado, no qual a comunicação em outro e qualquer idioma não será mais uma barreira.

Portanto, provavelmente a resposta não está em qual disciplina seu filho deve aprender na escola, mas sim em quais habilidades ele deverá ser estimulado a desenvolver. Todo o nosso sistema educacional está focado na premissa central, de quase 1.000 anos atrás, de acumular informação. Isso fazia muito sentido no século XIX, porque a informação tendia a ser muito escassa. Esta foi uma época sem jornais, sem rádio e sem bibliotecas públicas e televisão, e, claro, sem internet. Além disso, até mesmo as informações que existiam eram regularmente sujeitas a censura. Em muitos países, havia pouco material de leitura disponível, principalmente nas ex-colônias europeias. Consequentemente, quando o sistema escolar moderno foi desenvolvido, com seu foco em transmitir os fatos essenciais da história, geografia e biologia, representou uma grande melhoria para a maioria das pessoas comuns. Mas será que ainda funciona?

As condições de vida são muito diferentes no século XXI e nossos sistemas educacionais estão irremediavelmente antiquados. Em função da internet e da hiperconectividade, a informação está ao alcance de todos em um só clique! Pessoas de todo o mundo têm acesso a qualquer informação 24 horas por dia, 7 dias por semana. Basta ter tempo e vontade e qualquer pessoa consegue ir, online, da alfabetização a um doutorado sem precisar sair de casa.

Está claro então que dados e informações não deveriam ser o ponto focal das nossas escolas. O problema para o homem moderno não é mais a escassez de informação, mas toda a desinformação que agora existe. Falamos já disso em outro texto. Basta considerar o grande problema que vivenciamos atualmente com as chamadas fake news, por exemplo. As crianças do século XXI precisam aprender como compreender as vastas quantidades de informação que as bombardeiam diariamente, com a capacidade de avaliar sua veracidade e relevância dentro de um contexto. Mas será que aprendem isto nas escolas?

O que as escolas deveriam estar ensinando então? Muitos pedagogos e especialistas em educação defendem a migração da escola tradicional para o modelo dos 4 Cs: pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade. De maneira geral, a ideia seria diminuir o foco em uma educação mais tecnicista, migrando para uma educação baseada em propósitos de vida. Neste contexto, a principal habilidade trabalhada nas escolas deveria ser a resiliência, ou seja, a capacidade de lidar com mudanças, de aprender sempre coisas novas e de preservar o autocontrole e o equilíbrio mental diante de mudanças inesperadas.

A ideia de que nossa vida se divide em duas fases – aprendizado (infância e adolescência) e trabalho (resto da vida) – ficou para trás e precisamos urgentemente repensar o conceito tradicional, para não dizer antiquado, da educação. Escolas com salas padronizadas, com carteiras alinhadas simetricamente, onde crianças uniformizadas, todas nascidas no mesmo ano, passam pelo menos 4 horas por dia recebendo informações sobre o passado, de forma linear e impessoal, certamente não formará cidadãos flexíveis e competitivos para o futuro incerto que nos espera.

Sala de aula em 1890. Tirando a roupa, será que mudou muito? Foto: WashingtonFiles

Em virtude desta frenética evolução tecnológica, não podemos prever com exatidão o que estará por vir nos próximos 5 ou 10 anos e quais serão as profissões mais requisitadas. Mas posso afirmar com certeza que tudo será muito diferente da realidade que temos hoje. Então, para nos mantermos econômica e socialmente competitivos (e isto serve também para nossos filhos e netos) os conceitos-chave nas próximas décadas serão: aprendizado contínuo, adaptação e reinvenção constante de nós mesmos.

Desejo a todos um feliz 2019, 20, 21… 29 e nos vemos no ano que vem!

Sobre o autor

Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho de administração da ONG Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union, agência de Telecomunicações das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global em países da Ásia, Américas e Europa. Fluente em 4 idiomas, é doutorando em direito internacional pela UAB - Universidade Autônoma de Barcelona. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.

Sobre o blog

Mobilidade compartilhada, Inteligência artificial, sensores humanos, internet das coisas, bluetooth mesh etc. Mas como essa tranqueira toda pode melhorar a vida da gente nas cidades? Em nosso blog vamos discutir sobre as últimas tendências mundiais em soluções urbanas que estão fazendo nossas cidades mais inteligentes.