Como a maior fazenda em telhado do mundo pode afetar a vida de uma cidade
Renato de Castro
01/07/2020 04h00
A "fazenda de telhado" em Paris é a maior obra de agricultura urbana em telhado no mundo (Valode & Pistre Architectes Atlav AJN)
Quando falamos de cidades inteligentes e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos vamos muito além de simplesmente o uso de tecnologia. Um fator muito importante, principalmente se falamos de grandes cidades, é a harmonização entre vida urbana e sustentabilidade. E neste campo Paris tem se destacado aqui na Europa por seus projetos arrojados. De propostas ousadas como retirar carros da rua, que já discutimos em um texto anterior, à valorização do meio ambiente, muita coisa tem acontecido.
A atual prefeita, Ana Hidalgo, que conclui este ano seu primeiro mandato, acaba de inaugurar na capital francesa a maior fazenda urbana em telhado do mundo. O projeto vem reforçar a tese de que grandes quantidades de alimentos saudáveis podem ser cultivadas em uma fazenda 100% urbana e, mais, de forma comunitária. Km 4.Zero na veia! Lembram?
Sem ignorar a potencial redução no custo ambiental (e financeiro) do transporte de alimentos ao redor do mundo, o argumento de uma alimentação mais saudável e sustentável tem ganhado muito espaço no continente europeu. A agricultura urbana, envolvendo a produção local de alimentos tem o potencial de mudar radicalmente o futuro desse setor.
O tema da agricultura urbana é tão relevante para a discussão das cidades inteligentes, que inclusive ganhou indicadores relacionados às normas ISO 37122. É o indicador nr 20.1: porcentagem do orçamento municipal anual destinada a iniciativas de agricultura urbana. A agricultura urbana também está diretamente relacionada com três Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas:
- ODS 2: Erradicar a fome, chegar a um nível de segurança alimentar e nutrição melhorada e promover agricultura sustentável.
- ODS 11: Tornar cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resistentes e sustentáveis.
- ODS 12: Garantir padrões sustentáveis de consumo e produção.
Deixe-me então te apresentar o conceito e detalhar esse projeto bacana de Paris. Projetos de agricultura urbana têm por objetivo trazer mais áreas verdes para as cidades ao utilizar os telhados dos edifícios para o plantio de vegetais e legumes. A iniciativa ajuda, ainda, a diminuir a emissão de poluentes no transporte dos produtos de áreas remotas agrícolas para grandes centros.
O governo francês aprovou em 2015 uma lei que determina que todos os novos telhados comerciais sejam cobertos com painéis solares ou vegetação, o que fez com que hoje o país tenha dez vezes mais telhados verdes do que a Alemanha, onde o movimento começou. Além de colaborar com a melhora da biodiversidade nos municípios e reter a água da chuva, reduzindo o escoamento nas ruas, esse tipo de estrutura também colabora para que os edifícios sejam mais eficientes em termos de energia, afinal, no verão, os telhados têm um efeito de resfriamento e, no inverno, colaboram para manter a temperatura do prédio.
Por meio do projeto Parisculteurs, a prefeitura de Paris havia já se comprometido a plantar 100 hectares de vegetação até o final de 2020, sendo um terço dedicado à agricultura urbana. O projeto já nasceu ambicioso –a maior fazenda em telhado do mundo e a maior fazenda urbana da Europa– e estava previsto para ser inaugurado na primavera europeia deste ano (março). E, quando todos achavam que a crise do coronavírus seria uma boa desculpa para a prefeitura adiar o lançamento, vem a grande surpresa! A inauguração foi antecipada para junho! No último domingo, 28 de junho, para ser mais preciso.
Como alternativa para promover a integração social, os parisienses têm a oportunidade de locar áreas para terem suas próprias hortas. Existem 135 lotes de um metro quadrado disponíveis para aluguel. A reserva do local por um período de um ano dá direito a uma horta, um kit de boas-vindas e um crachá de acesso. O preço do aluguel anual é 320 euros (aproximadamente R$1.920).
A produção será destinada aos moradores da cidade por meio de estabelecimentos comerciais locais ou sistemas de veg-box – operação que entrega frutas e vegetais frescos, geralmente cultivados localmente e orgânicos, diretamente ao cliente ou em um ponto de coleta local, o que reduzirá o deslocamento dos produtos de áreas distantes para a cidade.
Com a proposta de não serem utilizados pesticidas ou produtos químicos, a fazenda também terá passeios educativos, workshops de team-building e eventos. A proposta do projeto é promover a resiliência ambiental e econômica nas cidades do futuro criando um modelo comercialmente viável e que não dependa de boa vontade e subsídios.
A fazenda urbana fica localizada no sudoeste de Paris, no topo de um grande centro de exposições. A maior fazenda urbana da Europa tem aproximadamente 14 mil metros quadrados e conta com mais de 30 espécies diferentes de plantas que serão cuidadas por cerca de 20 jardineiros que utilizarão métodos de cultivo inteiramente orgânicos. Ao empregar a técnica de agricultura aeropônica vertical, além de não ser necessário o uso de pesticidas, o sistema utiliza um circuito fechado de água para plantio, o que dispensa o uso de terra. Bacana né?
O projeto é liderado pela empresa Agripolis, que já conta com áreas semelhantes em faculdades, empresas e hotéis que oferecem alimentos para estudantes, funcionários e hóspedes. Por se tratar de um espaço urbano, as instalações também contam com um bar e restaurante com vista panorâmica para a cidade com capacidade para 300 pessoas.
Muito legal o projeto, não acha? Sua cidade já conta com projetos similares de agricultura urbana? Compartilhe então conosco.
Um grande abraço e nos vemos na próxima semana.
Sobre o autor
Renato de Castro é expert em Cidades Inteligentes. É embaixador de Smart Cities do TM Fórum de Londres, membro do conselho de administração da ONG Leading Cities de Boston e Volunteer Senior Adviser da ITU, International Telecommunications Union, agência de Telecomunicações das Nações Unidas. Acumulou mais de duas décadas de experiência atuando como executivo global em países da Ásia, Américas e Europa. Fluente em 4 idiomas, é doutorando em direito internacional pela UAB - Universidade Autônoma de Barcelona. Renato já esteve em mais de 30 países, dando palestras sobre cidades inteligentes e colaborando com projetos urbanos. Atualmente, reside em Barcelona onde atua como CEO de uma spinoff de tecnologia para Smart Cities.
Sobre o blog
Mobilidade compartilhada, Inteligência artificial, sensores humanos, internet das coisas, bluetooth mesh etc. Mas como essa tranqueira toda pode melhorar a vida da gente nas cidades? Em nosso blog vamos discutir sobre as últimas tendências mundiais em soluções urbanas que estão fazendo nossas cidades mais inteligentes.